Dona Veridiana
Av.
Higienópolis, nº18, construído em 1883-1884.
Perguntava o pequeno Cândido
Motta Filho na inauguração da primeira linha de bondes elétricos, em 1900: “Diga,
meu pai, quem é mais rica: D. Veridiana ou a Light?”
Pois D. Veridiana não tinha
carro com rodas de borracha?
Não tinha um palacete no
estilo do Renascimento francês?
Aos domingos não franqueava
seus jardins à vizinhança?
Não fazia leilões das uvas
produzidas em sua chácara para ajudar a Santa Casa?
Não era mãe do prefeito de São
Paulo?
Essa mulher tão poderosa, que deixava o
pequeno menino boquiaberto, era Veridiana Valéria da Silva Prado (1825-1910),
filha do Barão de Iguape. Foi ele o primeiro grande centralizador da família,
que não tinha raízes em bandeirantes ou mamelucos, arranjando casamentos entre
parentes e famílias importantes como os Monteiro de Barros, Pacheco Jordão,
Silva Machado...
Esse papel seria desempenhado depois por
sua filha Veridiana, que promoveria a união de filhos e netos com famílias de
expressão social e econômica.
Ao falecer, em 1875, o Barão deixava uma
das maiores fortunas do estado e uma herdeira que como ele manteria a unidade
do clã, sem deixar de ter destaque na vida social e promover a cultura.
Nascida na capital da província pouco
depois da Independência, ainda pequena Veridiana conheceu a Marquesa de Santos,
que a chamava de “menina mesureira”. Isso não ficou esquecido: quarenta anos
depois, quando um dos filhos de Veridiana se formava na Faculdade de Direito, um
grande baile era organizado no sobrado da Rua da Consolação. A Marquesa,
passando por ali, entusiasmou-se e falou com a dona da casa elogiando a
decoração: “Está tudo tão bom, me faz lembrar o primeiro Império”. Veridiana agradeceu polidamente, mas mesmo assim
não convidou a velha dama para a festa...
Veridiana casou-se aos 13 anos com seu tio
Martinho, meio-irmão de seu pai, quatorze anos mais velho que ela. Dessa forma,
podemos até brincar um pouco, dizendo graças a essa união ela tornou-se:
·Cunhada do pai;
·Nora da avó;
·Neta da sogra;
·Mulher do tio;
·Sobrinha do marido;
·Mãe dos primos;
·Tia dos filhos.
Os casamentos endogâmicos (dentro de um
mesmo grupo familiar) era prática comum entre as famílias paulistas. Os Prado,
assim como os Paes de Barros e Souza Queiroz, casavam-se entre si para
fortalecer laços de sangue e fortuna. Só mesmo no século XIX é que as uniões
exogâmicas começaram a se multiplicar.
Casada, segue o marido para o Engenho Campo
Alto, em Mogi-Mirim, que graças ao empenho de Martinho logo se torna modelo na
região. Ali, aos 15 anos, tem o primeiro filho, Antonio; em 1842, nasce
Veridiana, morrendo seis semanas depois; dois anos depois nasce Martinico; em
1844 tem Ana Brandina (Chuchuta), nascida num rancho à beira da estrada de
Mogi- Mirim, pois não houve tempo de chegar a São Paulo. Em 1846 nasce a
segunda filha com seu nome, mas que morre aos 18 meses. Já morando no sobrado
da rua da Consolação (onde hoje se encontra a Praça Roosevelt), tem os últimos
filhos: Anésia (Nesita - 1850), Antonio Caio (1853) e Eduardo (1860).Ao defender o casamento de sua filha Ana Brandina com o Conde Pereira Pinto, entra em choque com o marido, de quem acaba por separar-se causando escândalo na provinciana cidade. Permanecem ambos na mesma casa, porém em alas separadas até que ela construa o seu palacete, aonde viria a ser o bairro de Higienópolis.
A “Villa Maria”(homenagem a uma afilhada)
seria conhecida ainda por Chácara da D. Veridiana. O palacete ainda está de pé
apesar das reformas, escondido atrás de um denso arvoredo na esquina da Avenida
Higienópolis com rua Dona Veridiana; atualmente abriga a sede do São Paulo
Clube.
O palacete, em estilo
Renascimento francês, teve projeto e materiais vindos da Europa, estando sua
construção ao cargo de Luis Liberal Pinto. Em 1885 Veridiana se muda para a
casa, que realmente destoava de tudo o que se via na cidade: inúmeros são os
depoimentos daqueles que a visitavam, como a princesa Isabel, em novembro de
1884: “A propriedade de D. Veridiana,
lindíssima; casa à francesa, exterior e interior muitíssimo bonitos, de muito
bom gosto.(...) Os jardins tem gramados dignos da Inglaterra, a casa domina
tudo, há um lagozinho (sic), plantações de rosas e cravos, lindos. Vim de lá
encantada”.
Além do relato embevecido da princesa, seu
retrato e de seu pai no salão principal não deixavam dúvidas quanto ao
prestígio e respeito existentes entre D. Veridiana e a Família Imperial. Em
1887, quando de sua última visita a São Paulo, D. Pedro II foi recepcionado no
palacete. D. Veridiana dispôs seus netos em duas alas para que jogassem pétalas
de rosas sobre o imperador. Um deles, porém, juntou um bolo de pétalas e
atingiu em cheio o rosto do monarca; o peralta era um dos filhos de Martinico
Prado, combativo jornalista republicano.
O salão de D. Veridiana também foi um dos
mais importantes palcos de reuniões intelectuais da história paulista. Os
cientistas Orville Derby e Loefgreen, os médicos Domingos José Nogueira
Jaguaribe, Luis Pereira Barreto, Cesário Motta Junior e Diogo de Faria, além de
Capistrano de Abreu, Ramalho Ortigão, Graça Aranha, Joaquim Nabuco. Eça de
Queiroz encantou-se com a mãe do amigo Eduardo, e lamentou o fato de não ter
privado mais de seu convívio.
Ao separar-se do marido e assumir o
controle da família Veridiana escandaliza a sociedade, tendo mesmo recebido
ameaças através de cartas anônimas. Reza a crônica familiar que foi ela também
a primeira mulher da elite a sair sozinha para as compras, acompanhada apenas
do cocheiro. Foi também uma das animadoras da introdução de novas espécies de
uva, como a Niágara, cultivadas em sua chácara por Francisco Marengo, que
depois deixaria seu nome ligado à história do Tatuapé.
Dentre tantas histórias sobre essa grande
dama paulista, uma merece registro: foi quando esteve em Paris, no apartamento
de seu filho Eduardo, em plena Rue de Rivoli. Depois de percorrer todos os
aposentos daquele que seria um dos mais importantes pontos de encontro da
sociedade de fins do século XIX, ela deve ter escandalizado o circunspecto
mordomo ao dizer estas palavras: “Está tudo muito bom, muito bonito. Só é
pena não ter um galinheiro”.
Discreta, vestia-se com roupas escuras e
não aceitava o tratamento de Madame, tão em voga na época. Inovou em seu
testamento provendo generosamente mulheres da família ou agregadas, contanto
que usassem o dinheiro em proveito próprio, sem deixá-lo nas mãos dos maridos.
Isso a torna uma das primeiras feministas da nossa história. Deixou ainda um
pedido de desculpas a todos aqueles que possa ter ofendido ou escandalizado e o
pedido de um enterro de segunda classe.
Foi enterrada no Cemitério da Consolação,
e a rua que liga o Largo Santa Cecília à avenida Higienópolis recebeu o nome de
Dona Veridiana, consagrando o que já era costume da população.
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